Textos pra exercícios

PAISAGEM I 

Um dia de sol , um dia de chuva com noite longas cheias de vozes e luzes piscando no teto do quarto, luzes vindo da rua, de um poste quebrado, de carros passando, de gente em um bar. Zumbe zoa um mosquito infeliz foge dos tapas de mãos que se quebram, as pernas coçam, os braços ardem um vermelhidão no escuro uma escuridão que se arrasta até o amanhã. Meus amigos me chamam, dizem que está tudo bem, que a coisa vai melhor , que o pior já passou, que é difícil esquecer, mas ainda é possível, ainda estamos aqui, meus amigos, é o que importa. Eu tenho todos os dedos da mão direita, perdi tanta coisa, deixei de fazer outras mais, sai de casa muito cedo, nem lembrei onde andei, havia um senhor muito velho, perto de uma praça ali mesmo, quando foi mesmo, um negócio que sumiu. Agora é sair da cama, agora é pisar firme esse chão, agora é quando tudo acontece, agora é o fim da estação, agora minha boca secou e o vento me joga na cara o vento, e eu vejo as pessoas com pressa saindo dos carros, entrando nos carros, os carros correndo nas ruas, parando nos sinais, e os cartazes com pedidos de ajuda, e os céus cheios de nuvens, e noutro dia azuis, frios, distantes, um céu pesado, um céu como nunca se viu, um céu imenso, em fuga, em um dia de noite, um dia de chuva.

  PAISAGEM 2 

 Não foi pra isso que te chamei aqui, seu merda! Tu não entende nada do que eu digo, otário! O que tu quer – que te explique, que eu mostre o que é fácil? Tu quer que eu faça aquilo que você é quem tem de fazer? É por isso que não dá mais pra montar esse negócio. Vai fechar tudo, de uma vez. Todo mundo na rua, sem nada. Nem uma placa. Vamos fazer o funeral desse comércio. Vamos chamar um padre e uma banda e montar um coquetel bonito: aqui morreu mesmo, não vinga. Taca fogo, joga a chave fora. E dessa terra, nem verme nem pedra. Se eu tiver que te ensinar o que tu já devia saber vai ser assim – um deserto, uma cova, um mar sem fim. 

 PAISAGEM 3 

 Meu time do coração joga e não ganha de ninguém. Todo brincam comigo e falam pra eu trocar de time. Mas é o meu time, desde criança, o meu primeiro amor. Por que mudar se eu já mudei tanto? Eles falam: pra que sofrer, passar vergonha, ser ridículo? Troca de time, muda de vida, vai ser feliz. Mas é o meu time, desde criança, eu não sou mais criança, mas amo aquela criança, eu lembro dela e de meu time, e então fico feliz, feliz como a criança com seu time, com o hino do clube, com a camisa e a bandeira, e símbolo do clube, aquelas letras-desenhos, o decifrável enigma, a marca do mistério revelado, você e aquelas letras, a primeira escrita, o nome, o teu nome, você, o time do coração. E as cores, vermelho e branco, as cores pra você usar suas roupas, o calção, as meias, a camiseta, tudo certo, tudo resolvido, você vestido com o uniforme do seu time do coração, uma roupa pra sempre, a mesma na rua, em casa, na escola, todos vendo de longe as letras, as cores, o andar do menino em seu uniforme, a única certeza da vida, a roupa que não muda, eternamente você e o clube, eternamente um menino feliz. Nada mais é importante Uma vez na vida você se achou de um jeito que não há mais o que fazer. É simples. É um figurino. É ser alguém. Seu time vai perder, outros vão ganhar. Seu time vai ter fracassos atrás de fracassos, péssimas contratações, derrotas vexatórias, anos na fila, anos sem títulos. Mas então toca o hino, o povo canta, a bandeira tremula, você veste a camisa, e sente algo que te amplia, um despertar, você não é você, é você e mais gente, a bandeira, a camisa, as letras em tudo. É o time, é você, é a multidão. Por alguns instantes você é mais. E isso dura uma infância inteira. Por isso, quando depois de tantos fiscos aos 45 minutos do segundo tempo, jogo contra um adversário fraco, jogo arrastado e sofrível nesse jogo o juiz marcar um pênalti e o time fraco cobrar e fizer o gol não se preocupe com o amanhã com as notícias pavorosas com os comentários unânimes e sarcásticos. Apenas foi teu time do coração que perdeu mais uma. Inacreditável! Conseguir perder pra essa argila! O time joga errado, joga mal. Tem gol anulado, expulso seu principal jogador. Por favor, sem acréscimos, acaba logo esse jogo! É muito sofrimento, jogo que não termina... Somos muitos, uns trezentos. Ninguém mais canta, na espera do apito final Meu time outra vez na boca do povo, o meu time do coração.