Escutando o vídeo de hoje

 Na parte da música, especialmente no exercício coletivo entre os minutos e 47:22 a 1:05,21,  quando entre 1:17,57 -  me vali de uma técnica de composição que uso com frequência: com a guitarra uso uma das cordas soltas (E, A ou D) como um drone, uma referência, que repito, a qual retorno. Sobre ou contra essa nota de referência empilho ou faço suceder notas ou acordes. Notas ou são sustentadas e em vibrato, ou fragmentos de melodia. 

Muitas vezes começo com algo simples, ou mais consonante, e depois foi inserindo tensões harmônicas e rítmicas. 

Para mim, a escolha dessa notal pedal ou drone de referência tem razões acústicas iniciais. Como o som nos instrumentos de corda tem uma duração não muito longa após sua ignição, para fazer o som perdurar é preciso repetí-lo, estender sua presença. Claro que há uma resposta a esse movimento centrípeto de uma nota fundamental dentro de uma concepção harmônica do centro. Mas para mim, mais que reforçar o mesmo, o movimento de retorno é de expansão, de espacialização, de um entorno audível. 

Nisso, me lembro das palavras de Heidegger em seu ensaio Construir, Habitar, Pensar (Bauen, Wohnen, Denken): 

" O que diz então o construir: A palavra do antigo alto-alemão usada para dizer construir “buan”, significa habitar. Diz: permanecer, morar. O significado próprio do verbo bauen (construir), a saber, perdeu-se. Um vestígio encontrase resguardado ainda na palavra “Nachbar”, vizinho. O Nachbar (vizinho) é o “Nachgebur”, o “Nachgebur”, aquele que habita a proximidade. Os verbos buri, büren, beuren, beuron significam todos eles o habitar, as estâncias e circunstâncias do habitar. Sem dúvida, a antiga palavra buan não diz apenas que construir é propriamente habitar, mas também nos acerca como devemos pensar o habitar que aí se nomeia. (HEIDEGGER, 2012, p. 126).

E mais: " Construir significa originariamente habitar. Quando a palavra bauen, construir, ainda fala de maneira originária diz, ao mesmo tempo, que amplitude alcança o vigor essencial do habitar. Bauen, buan, bhu, beo é, na verdade, a mesma palavra alemã “bin”, eu sou nas conjugações ich bin, du bist, eu sou, tu és, nas formas imperativas bis, sei, sê, sede. O que diz então: eu sou? A antiga palavra bauen (construir) a que pertence “bin” “sou”, responde: “ich bin”, “du bist” (eu sou, tu és) significa: eu habito, tu habitas. A maneira como tu és e eu sou, o modo segundo o qual somos homens sobre esta terra é o Buan, o habitar. Ser home diz: ser como um mortal sobre essa terra. Diz: habitar. (HEIDEGGER, 2012, p. 127).

{HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências. Tradução de Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel e Márcia Sá Cavalcante Schuback. 8. Ed. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2012.}

No som e pelo som sobrepõe-se um outro espaço, um outro tempo sobre o tempo e os espaço de agora.  Ao mesmo tempo e no mesmo lugar, multiplicam-se dinâmicas criativas de som e espaço. Os movimentos são modos de se pintar no tempo e no espaço. Os intérpretes em seus movimentos habitam um agora que se desdobra em mil lugares. 


Outro aspecto dessa técnica é que ela se remete à minha prática como baixista. Muitas vezes nas sessões de improviso que toda semana eu realizo dentro do projeto "Metodologia de criação audiofocal em performance por meio de mediação tecnológica", valho de uma corda solta (E, A, D) e contra uma delas oponho outros sons.  Seja dedilhando, seja com a palheta, o que importa é o gesto. O toque suave ou o golpe contra as cordas é utilizado dentro de uma experiência maior que tocar o instrumento. De fato, mais que tocar o instrumento, eu e o baixo produzimos algo que é mais que sons. A boca pode ser calada, os dentes cerrados, mordendo os lábios. Mas há movimentos que buscam maior ou menor intensidade. 

Tocando o baixo fui aprendendo a trabalhar com os limites, diversos limites: limites funcionais, sobre aquilo que se espera de um baixo; limites de extensão, pois toco em um baixo de 4 cordas; limites de definição sonora pois muitas vezes o som embola em frequências sonoras mais graves tocadas com maior velocidade em sucessão.  A partir daí a pergunta não era o que eu não poderia fazer e sim como reunir essas prévias limitações a um empenho e produzir mais expressão. 

Do baixo para a guitarra. Quando toco baixo ou a guitarra, tanto me valho daquilo que é próprio do instrumento, dentro de minhas possiblidades técnicas, quanto procuro fazer outra coisa que tocar uma música, aquela canção esperada.  O uso da nota pedal nos bordões ou nas cordas mais graves me capacita para esse deslocamento para a ambivalência de se estar atuando como um instrumentista ao mesmo tempo que se age como outra coisa - um compositor, uma personagem, uma criatura num espaço que irrompe no contínuo momento de sua ocupação.

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